Venezuela e o direito a se manifestar

Princípio da autorização prévia à realização de manifestações está vigente na maioria das democracias ocidentais

Os meios de comunicação ocidentais apresentam a decisão do Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela, de submeter o direito a se manifestar à obtenção de uma autorização prévia, como um atentado contra as liberdades individuais. Esse princípio está vigente na maioria das democracias ocidentais.

Solicitado por um dos cinco municípios de Caracas, o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou em 24 de abril de 2014 sobre o direito a se manifestar. Segundo a mais alta entidade judicial do país, “os cidadãos e cidadãs têm direito a se manifestar pacificamente e sem armas, sem outros requisitos senão os estabelecidos na lei […]. Torna-se obrigatório para as organizações políticas, assim como para todos os cidadãos, realizar o procedimento administrativo de autorização diante da primeira autoridade civil da jurisdição correspondente, para poder exercer cabalmente seu direito constitucional à manifestação pacífica”. 1

Efe (14/04/2014)

Manifestação opositora em Caracas. Na maioria dos países, conseguir uma autorização para fazer qualquer protesto é regra geral

De fato, o país foi atingido por mais de dois meses de violência orquestrada pela oposição. O balanço é grave: 41 pessoas perderam a vida – entre elas, cinco membros da Guarda Nacional e um Procurador da República –, 700 pessoas ficaram feridas e os danos materiais superam os 10 bilhões dólares. 2
Os meios de comunicação ocidentais se tornaram porta-vozes da direita venezuelana e denunciaram uma decisão liberticida. Assim, segundo a Associated Press, que cita a oposição, a Venezuela se encontra agora “em um estado de exceção permanente e [os cidadãos apenas poderão] exercer o direito à manifestação quando o Estado permitir”. Segundo a agência norte-americana, a decisão do Tribunal “destrói os direitos humanos” 3 e se constitui “como última intenção do governo de amordaçar a dissidência”. Para o jornal espanhol El País, “o Supremo venezuelano limita o direito aos protestos” e atenta contra “os direitos cidadãos e as liberdades democráticas”. 5 Para a Agência France Presse, “essa falha é contrária aos princípios democráticos”. 6 Já para o jornal Le Monde, essa decisão tem como objetivo “limitar o direito a se manifestar”. 7

No entanto, a imprensa ocidental se esquece de que, na maioria dos países democráticos, conseguir uma autorização das autoridades para fazer qualquer manifestação é regra geral. Na França, nenhuma manifestação pode acontecer sem a autorização expressa da polícia. Por exemplo, a polícia de Paris exige que a petição de autorização seja entregue “pelo menos um mês antes da data da manifestação”.8 Além disso, “esse prazo será de, no mínimo, três meses se o evento planejado agrupar muita gente”.

Por outro lado, “cada petição deve trazer todas as informações úteis sobre o organizador (pessoa física ou moral) e sobre a manifestação (natureza, data, lugar, horário, número de participantes…)”. Os organizadores têm a obrigação de “assinar uma apólice de seguros que garanta no plano da responsabilidade civil todos os riscos relativos à manifestação planejada (participantes, público e obras públicas). A apólice de seguros deve comportar a garantia máxima […] calculada em função do evento, em relação aos seguintes riscos: danos corporais, materiais e imateriais”.

Na França, os organizadores das manifestações são penalmente responsáveis por todos os danos que o evento possa causar. A polícia insiste neste ponto: “O organizador deve assumir a tarefa da segurança central no local destinado à manifestação. Em caso de danos por imprudência ou negligência, a responsabilidade civil, e inclusive penal, do organizador pode ser evocada com base nos artigos 1382 e seguintes do Código Civil, e dos artigos 121-1, 121-2, 223-1 e 223-2 do Código Penal”. 9

Dessa forma, a polícia de Paris rechaça dezenas de petições todas as semanas. As principais razões: “não respeitar o prazo para entregar a petição; passeata suscetível a causar problemas de segurança, de ordem pública ou de trânsito; recusa do organizador em aceitar as obrigações ou prescrições apresentadas pela polícia; opinião desfavorável da prefeitura de Paris ou de algum serviço consultado; incompatibilidade entre o ato previsto e o local escolhido; organizador que não respeitou suas obrigações em uma petição anterior ou que ignorou as prescrições da prefeitura de Paris”. 10

Longe de ser liberticida, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça se assemelha ao que já existe na maioria das democracias ocidentais. E, tendo em vista os últimos acontecimentos violentos ocorridos durante os protestos, a oposição venezuelana não teria absolutamente qualquer possibilidade de conseguir uma autorização para se manifestar na Pátria dos Direitos Humanos que é a França.

Salim Lamrani

Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos pela Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Universidade de La Reunión e jornalista, especialistas nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro é intitulado “Cuba: os meios de comunicação e o desafio da imparcialidade” (Paris, Edições Estrella, 2013), com prefácio de Eduardo Galeano.

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1. Jorge Rueda, “Proíbem manifestações sem permissão na Venezuela”, Associated Press, 25 de abril de 2014.
2. Salim Lamrani, “Se a oposição venezuelana fosse francesa”, Opera Mundi, 11 de abril de 2014.
3. Jorge Rueda, “Proíbem manifestações sem permissão na Venezuela”, op. cit.
4. Jorge Rueda, “Na Venezuela, protesta-se contra o plano educativo e contra restrições a manifestações”, Associated Press, 26 de abril de 2014.
5. Alfredo Meza, “Supremo venezuelano limita o direito a protestar”, El País, 25 de abril de 2014.
6. Agência France Presse, “Na Venezuela, protesta-se contra o plano educativo e contra restrições a manifestações”, 26 de abril de 2014.
7. Le Monde, “Venezuela: a oposição vai às ruas contra uma reforma na educação”, 27 de abril de 2014.
8. Polícia de Paris, “Manifestação em vias públicas ou sobretudo em espaços abertos ao público”, Ministério do Interior. (site consultado el 28 de abril de 2014).
9. Ibid.
10. Ibid.

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Sobre el Autor

Docteur ès Etudes Ibériques et Latino-américaines de l’Université Paris IV-Sorbonne, Salim Lamrani est Maître de conférences à l’Université de La Réunion, et journaliste, spécialiste des relations entre Cuba et les Etats-Unis. Son nouvel ouvrage s’intitule Fidel Castro, héros des déshérités, Paris, Editions Estrella, 2016. Préface d’Ignacio Ramonet. Contact : [email protected] ; [email protected] Page Facebook : https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel

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